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  HISTORICO DO SISTEMA IDEÁRIO DE GRADUAÇÕES

 

A história do Sistema Ideário de Graduações começa em 1973, ano seguinte à aprovação do Regulamento Técnico de Capoeira e a criação do Departamento Especial de Capoeira pela Confederação Brasileira de Pugilismo. O Regulamento Técnico prescrevia o Sistema de Graduações baseado nas cores da Bandeira Brasileira, instituindo o cordel rabo de rato para materializar os graus respectivos, seguindo a ordem: verde; verde-amarelo; amarelo; amarelo-azul; azul; verde-amarelo-azul, (contramestre). Os graus de mestres estavam assim ordenados: branco-verde; branco-amarelo; branco-azul; e o mais alto grau, cordel branco. O referido sistema de graduações teve sua estruturação remodelada pela Confederação Brasileira de Capoeira, mantendo-se as cores verde, amarela, azul e branca.

 

A minha discordância sobre o citado sistema foi crescente com o passar dos dias e a inquietação me levou à busca de algo integrante da cultura, da história e da alma do negro e seus descendentes.

 

O entendimento que tive sobre o uso das cores da Bandeira Brasileira para o sistema de graduações estaria representando a ingerência do Estado na cultura do negro. O Estado Brasileiro e a sociedade escravista oprimiram o negro e seus descendentes por longos anos. Registrei em minhas lembranças a figura de um negro amordaçado com uma faixa verde e amarela, reforçando esse meu sentimento. Intensifiquei as leituras e as buscas sobre a história, a vida e o cotidiano do negro e assim perquirindo o passado histórico do negro, desde a sua participação compulsória na vida brasileira até alcançar seu impulso incessante de busca da sua integridade e da sua autonomia de cidadão, deparei-me com sete vivências sociais distintas e marcantes na evolução histórica do negro, as quais descrevo muito sucintamente:

a) Vivência de negro cativo – caracterizada pelo aprisionamento do negro na África, o seu transporte pelo Atlântico nos navios negreiros e a efetivação da revenda do negro em terra brasileira;

b) Vivência de negro escravo – o negro africano é coisificado e explorado como “semovente de produção” e patrimônio de um “senhor”, dito seu dono absoluto.

c) Vivência de negro quilombola – é a alternativa de rebeldia preferida pelos escravos para conquistarem a liberdade, a qual poderia ser duradora ou não. Os quilombos eram comunidades independentes, cada qual com sua importância e com suas peculiaridades.

d) Vivência de negro capitão da areia – para os senhores de escravos os dividendos decorrentes da aprovação da Lei do Ventre Livre seriam maiores do que manter obrigações de sustento das eventuais “crias das negras”. As crianças nasciam livres e caiam na delinquência.

e) Vivência de negro sexagenário – a Lei dos Sexagenários apresentava-se a primeira vista como uma generosa concessão, no entanto faltava ao escravo sexagenário, fôlego de vida para exercer uma atividade lucrativa capaz de promover sua manutenção. Conheceu a liberdade e também o desafio da sobrevivência.

f) Vivência de negro liberto, - a sociedade escravista via o liberto como ignorante, preguiçoso e desordeiro de ânimo viciado e moral degenerada, consequentemente este “estado” tolhia e marginalizava o liberto. Ao ser marginalizado o liberto notabilizou-se como guerreiro, participando de maltas e de empreitadas como capanga.

g) Vivência de negro cidadão – a sociedade ainda confere aos negros uma condição de inferioridade, de minguamento de oportunidades e as mais baixas posições da hierarquia social. No papel de cidadão o negro terá de buscar, na visão crítica de sua história, reconhecer-se produto de uma cultura racista e a partir daí aprender ser universal.

 

Ao arbitrar as sete vivências sociais eu senti que a base para formulação do sistema de graduações já estava definida, mas precisava buscar referências e justificativas para definir as cores e os respectivos graus e a materialização das cores.

 

Num certo dia, conversando com o Mestre Tabosa sobre a minha posição a respeito de graduação em capoeira ele me mostrou um colar guia da Umbanda, que havia comprado no Rio de Janeiro. Dado o meu interesse pelo assunto, ele sugeriu que eu conhecesse uma loja especializada em artigos de Umbanda e Candomblé, situada na Super Quadra 207 Sul. Em muito contribuiu a sugestão do Mestre Tabosa para que eu partisse para a pesquisa e o descortinamento do saber sobre as divindades religiosas africanas. Alguns dias depois eu tomei a iniciativa de ir à referida loja, e conversar com o casal de proprietários da loja, sobre o meu intento. O casal me recomendou a leitura de dois livros: Os Orixás e o Candomblé, Byron Freitas e Ensinamentos de Umbanda, Jaracatua. Ali mesmo eu adquiri o referido colar guia e os referidos livros, os quais passei a estudar atentamente, além de agregar novos títulos sobre a Umbanda e o Candomblé.

 

Desde o momento em que fui a loja da 207 Sul e ouvi o casal da referida loja, propus ao Mestre Tabosa formarmos uma parceria para formulação de um sistema de graduações. Ele disse não dispor de tempo. Argumentei, ponderei e ele disse não dispor de tempo devido o ensino e a prática da capoeira estar consumindo grande parte do seu tempo, além das leituras que obrigatoriamente teria de fazer, caso aceitasse a parceria. Ele me incentivou e afirmou que eu poderia executar essa tarefa sozinho. A leitura que fiz sobre a atitude do Mestre Tabosa foi de que ele guardava a esperança de usar o mesmo sistema de graduações usado pelo Grupo Senzala, dada a proximidade e as ligações que ele mantinha com aquele Grupo.

 

E eu, enquanto agente de cultura e de história lancei mão da “liberdade de criação”, iniciando uma temporada de leituras e apontamentos até alcançar as condições de conjecturar, formular, concatenar e estabelecer as interdependências entre as vivências e ambiências dos negros aos domínios de irradiações dos orixás.

 

Observei nas práticas religiosas africanas elementos de resistência ideológica e social; vi as influências recíprocas entre as práticas religiosas de cada povo africano aqui na Colônia; ademais, percebi que dentre as instituições africanas as que melhor se conservaram, em território brasileiro, foram as práticas religiosas.

 

A partir das várias leituras, conjecturas, comparações e análises sobre símbolos, signos, valores, atributos e crenças da cultura do negro, eu consegui identificar quais seriam as ambiências das vivências dos negros, que poderiam corresponder aos domínios de irradiações das divindades religiosas dos negros e somente assim tive como selecionar as entidades pelos seus domínios de irradiações e hierarquizar a ordem das cores que vieram compor o Sistema de Graduações: azul, marrom, verde, amarela, roxa, vermelha e branca.

 

Da Umbanda e do Candomblé eu arrolei e estudei as seguintes Linhas: dos Pretos Velhos; de Oxalá; de Oxossi; de Ogum; de Nanan Buruquê; de Yemanjá; de Iofá;de Ibeji; de São Miguel, Porteiro de Umbanda; de Xangô; de Simiromba; de Iansã; de Mamãe Oxum; de Omulu; de Exu; do Oriente.

 

Dentre estas Linhas eu selecionei sete para efeito de formulação do Sistema de Graduações de Capoeira. Selecionei sete linhas de orixás devido a base histórica que eu já havia estabelecido. Por meio das vivências sociais do negro (cativo, escravo, quilombola, capitão da areia, sexagenário, liberto, cidadão) e as suas respectivas ambiências, eu busquei associar os domínios de irradiações dos orixás às respectivas ambiências e vivências dos negros. O colar guia (Veja foto - anexo 1) foi uma das fontes que serviu de diretriz nas opções de cores, sem no entanto obedecer literalmente as cores e a ordem das cores apresentadas pelo colar guia.

 

As cores das contas e a ordem em que elas estão colocadas no colar guia são: cristal, verde, azul, dourada, vermelha, rosa, marrom. Considerando a ordem inversa, as cores e a ordem são: cristal, marrom, rosa, vermelha, dourada, azul, verde. Promovi algumas substituições nas cores das contas: em lugar de cristal optei por branca; em lugar de dourada optei por amarela; a cor rosa foi mantida por algum tempo e depois optei por roxa. A ordem das cores ficou assim estabelecida por mim: azul, marrom, verde, amarela, roxa, vermelha, branca. A hierarquia das cores foi arbitrada por mim conforme eu identificava a compatibilidade entre a vivência e ambiência do negro ao domínio de irradiação do orixá e estabelecia a prioridade dentre as opções de cores representativas dos orixás.

 

A partir de 1976, ano de realização da 1ª Grande Roda Brasileira de Capoeira, comecei a colocar em discussão, a nível nacional, o Sistema Ideário de Graduações, no sentido de aperfeiçoá-lo, difundi-lo, buscar novas adesões e alcançar legitimidade no meio capoeirístico. Naquela época, ainda sem denominação, era reconhecido pelas expressões: sistema de graduações de capoeira; sistema de graduações das sete fases sociais; sistema de graduações dos orixás. Para alcançar os fins propostos eu preparei um texto resumido tratando das vivências sociais dos negros, dos domínios de irradiações dos sete orixás e as interdependências metafísicas do sistema. Além do texto eu preparei também um quadro sinóptico do Sistema de Graduações de Capoeira. Alguns mestres levantaram indagações e questionamentos em torno: do pequeno número de cordas de graduações, uma das razões porque institui (por algum tempo) as cordas intermediarias entrelaçadas com a cor branca; da inclusão ou não de determinados orixás ou linhas da Umbanda ou do Candomblé, por exemplo: Linha dos Pretos Velhos, já que o elemento central é o negro; a Linha de Ibeji devido as crianças oriundas do Ventre Livre; por que foram escolhidos orixás da Umbanda e não do Candomblé? E assim por diante.

 

Encaminhei mais uma vez, em 1979, a Fundamentação do Sistema de Graduações de Capoeira a qual foi distribuída, via correios, aos docentes de capoeira que faziam parte do meu cadastro nacional, os quais foram convidados para participarem da IV Grande Roda Brasileira de Capoeira. Solicitei aos mestres para opinarem por escrito, sobre o referido Sistema de Graduações. Muitos deles preferiram dar depoimento oral pessoalmente durante o transcorrer da Grande Roda. O Mestre Itapoan emitiu o seu parecer por escrito, através de carta, datada de 6 de novembro de 1979. Em seguida apresento alguns trechos da apreciação feita por ele. Foi uma ótima e oportuna consideração sobre o assunto. (Veja cópia da carta  –  anexo 2)

 

Como não poderei ir a IV Roda de Capoeira e você me pediu opinião por escrito, aí vai alguma coisa.

Olha Zulu, quanto às “Sete Fases Sociais” do Negro tudo bem. Realmente a ordem cronológica que você deu é muito boa e bem fundamentada. Agora, quanto ao “Estado de Relação” entre cada “Fase Social” do negro e o “Domínio de Irradiação” de cada orixá, deixa a desejar por um motivo. Os orixás que você “utilizou” para a “relação” e consequentemente “chegar” às cores dos cordéis, são orixás da Umbanda. Ora, se você deseja fazer um sistema em caráter nacional, não pode se basear na Umbanda esquecendo-se do Candomblé. Vá fundo, sou você para resolver esta “zorra” que acabei armando sem querer.

 

Em 1979 realizei algumas reuniões com os mestres de capoeira do Distrito Federal para deliberarem sobre os seguintes assuntos: Formalização das Associações de Capoeira; Fundação da Federação Brasiliense de Capoeira; Rodas Dominicais de Capoeira; Padronização do Uniforme de Capoeira; Sistema de Graduações; Formação de Instrutores.

 

No dia 22 de novembro de 1979 foi realizada no Colégio Sagrado Coração de Maria, Quadra 702 Norte Bloco C, a última reunião do ano dos Mestres de Capoeira do Distrito Federal para deliberarem sobre a pauta discutida nas reuniões anteriores. (Veja Instr. Síntese  -  anexo 3)

 

A Pauta do dia 22 de novembro serviu de base para a Pauta Nacional, reunindo os convidados da IV Grande Roda Brasileira de Capoeira. Da Pauta Nacional do dia 15 de dezembro constam os seguintes assuntos: Definição das Características do Uniforme de Capoeira; Modelo de Apresentação de Capoeira; Competição, Critérios de Pontuações; Sistema de Graduações; Constituição Formal da Associação Brasileira de Entidades de Capoeira. (Veja Instr. Síntese  -  anexo 4)

 

Participaram da IV Grande Roda, Mestres de Capoeira dos Estados: Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.

 

Todas as decisões constantes da Instrução Síntese Nacional de 15 de dezembro foram firmadas pelos Mestres como prova de compromisso entre os mesmos. Além das duas Instruções Sínteses, uma Distrital e outra Nacional, foi elaborado o Relatório do Encontro realizado entre os Mestres, por ocasião da IV Grande Roda. O Documento relata todas as decisões tomadas pelo grupo de Mestres e no desfecho do referido Relatório, assinaram, na forma identificada por cada um dos integrantes. (Veja Relatório  -  anexo 5).

 

Nos três documentos apontados consta claramente a autoria do Sistema de Graduações como sendo de minha autoria e a consumação da verdade está nas assinaturas de tantos Mestres, que dos eventos participaram. O reconhecimento da autoria não é somente pelos tantos Mestres que assinaram os citados documentos, mas também por aqueles que são meus contemporâneos e que conheceram minhas lutas e meu trabalho.

 

Dei um tratamento enfático ao Sistema de Graduações de Capoeira em busca de: aperfeiçoar e difundir o Sistema; promover adesões de outros Grupos ao Sistema de Graduações; promover a legitimação do aludido Sistema no meio capoeirístico. Veja a titulo de exemplo, o Ofício de adesão do Grupo Cativeiro Capoeira assinado por Rúbens B. F. Marcondes (Veja Ofício - anexo 6). A Carta do Mestre Valdenor, do Grupo Nova Luanda, além de tratar de outros assuntos me parabeniza “pela nova forma de graduação” (Veja Carta - anexo 7). Esse intensivão durou de 5 de março de 1976, data em que a Direção do Colégio Agrícola de Brasília aprovou o Regimento Interno da Academia Beribazu; até levar o Sistema Ideário de Graduações como tema de discussão em um fórum nacional como a Grande Roda Brasileira de Capoeira.

 

O Sistema Ideário de Graduações foi fundamentado por mim, e facultado a qualquer Grupo, dele fazer uso, com a devida citação do autor da Fundamentação, a qual está publicada no Livro Idiopráxis de Capoeira. O Idiopráxis de Capoeira foi publicado em 1995 e há algum tempo está com a edição esgotada, porém está disponibilizado via Internet, a quem quer que seja. Este Sistema Ideário de Graduações é usado livremente por alguns grupos, tanto no Brasil como no Exterior. (Veja hierarquia das cordas de graduações – anexo 8)

 

Desde 1980 eu não faço campanha ostensiva em busca de novas adesões ao Sistema Ideário de Graduações. Acreditei na possibilidade do Sistema alcançar legitimidade progressivamente entre os capoeiristas, porque a fundamentação que fiz contemplou o Sistema com uma instituição africana transmigrada pelos negros da África para o Brasil e também transmitida aos seus descendentes. Essa complexa instituição incorpora, funde e resume as várias religiões do negro a qual tem grande força e representatividade cultural.

 

Desconheço a existência de qualquer outro sistema de graduações que se assemelhe ao sistema que eu fundamentei. Ou seja, aquele em que alguém tenha recorrido às vivências sociais, às ambiências do negro e seus descendentes, aos domínios de irradiações dos orixás e fundamentos criteriosamente arbitrados por mim.

 

A alusão aos orixás que conheço está publicada no livro “O Que é Capoeira”, Almir das Areias, cuja 1ª edição data de 1983. Apenas essa pequena referência - “Assim ficou estipulado, com exceção de algumas federações que também usam cores, porém com outra conotação, como por exemplo, a de representação das cores dos orixás” (Areias, 1983, p. 99)

 

Outro Sistema de graduações que faz alusão aos orixás está publicado no livro: Mestre Tabosa O Filho de Xangô, publicado em 30 de setembro de 2009 pela Editora Gráfica Ipiranga. “Regra de Graduação Baseada nos Orixás” (Tabosa, 2009, p.96)

 

Numa entrevista que concedi ao Jornal de Brasília em 15 de abril de 1979, foi publicada, a seguinte afirmação “a graduação por nós adotada foi criada pelo Mestre Tabosa”, como se Eu, o autor da fundamentação, tivesse dito tamanha asneira, dando margem para alguém tirar proveito a partir desse erro.

 

Afirmo categoricamente que o Sistema Ideário de Graduações (Sistema de sete fases sociais) é inteiramente de minha autoria. O que está publicado no Jornal de Brasília, não passa de um erro, dentre outros mais, assim como está errado também o meu próprio nome citado na abertura da entrevista como José Batista Pinto. O meu nome é Antonio e não José. O Sistema Ideário de Graduações não tem uma só palavra dita ou escrita pelo Mestre Tabosa.

 

Ainda em relação a publicação no Jornal, a minha busca nunca foi pela legalização do Sistema de Graduações como é abordado pelo Jornal. Todos os passos e caminhos que trilhei não foram por legalização do Sistema de Graduações, mas pela legitimação junto aos capoeiristas, junto aos Mestres de Capoeira. Mesmo com tanta exposição pública, que durou até dezembro de 1979, ninguém nunca ousou reivindicar a autoria ou parceria sobre o Sistema Ideário de Graduações. Não seria agora depois de transcorridas quatro décadas aparecer um insurgente.

 

Em momento algum o Sistema de Graduações formulado e fundamentado por mim, esteve vinculado ao nome de qualquer outra pessoa, a não ser pela decorrência de tê-lo usado ou por usá-lo.

 

O histórico do Sistema Ideário de Graduações não parou. A dinâmica de aperfeiçoamento, difusão e aceitação do Sistema Ideário de Graduações está seguindo o curso do tempo; o crescimento qualitativo quantitativo de praticantes de capoeira; as circunstâncias impostas pela própria capoeira, pela sociedade e pelas três esferas de governos. A dinâmica que envolve o Sistema Ideário de Graduações ocorre quase que silenciosamente, sem romper com a essência filosófica e cultural do Sistema, dado os conteúdos, os princípios e o imaginário que regem a formulação e a fundamentação desse Sistema de Graduações.

 

Em tempo: Continua facultado a qualquer Grupo de Capoeira fazer uso do Sistema Ideário de Graduações.

Sistema de Graduação

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